segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Diálogo a uma voz

(imagem retirada daqui)


Factos e pormenores do quotidiano que passam despercebidos à maioria das pessoas.

 - Ontem fui ver um concerto! - disse ela animada.
- A sério? Foste com quem? – questionou ele.
- Fui sozinha. Não me importo e até gosto.
- O quê? Como é que não gostas de ter companhia? – ele ficou bastante admirado.
- Eu não disse que não gostava. Apenas disse que não me importava e gostava. Sozinha praticamente não preciso falar com ninguém o que dá para observar as pessoas à minha volta à vontade sem distracções enquanto que se fosse com companhia, obrigatoriamente, haveria diálogo e isso iria distrair-me! - afirmou ela.
- Tu és estranha. Eu prefiro ir a concertos com companhia. É muito mais animado. - disse ele pouco convencido.
- Gostos não se discutem! - disse ela sem entusiasmo.
- Mas afinal porque gostas tanto tu de observar as pessoas?
- Olha, porque é que as pessoas gostam tanto de observar os animais? - respondeu ela ligeiramente irritada embora sem saber exactamente porque tinha sentido uma pontinha de irritação com aquela pergunta.
- ... - ele olha-a com ar de quem não esta a perceber nada.
- Pronto, eu explico: as pessoas observam os animais para saberem mais sobre eles, para os conhecerem. Eu faço isso mas com as pessoas.
- Mas não falas com elas, nunca as conheces. - duvidou ele.
- Ora, as pessoas que observam os animais também não falam com eles, excepto algumas claro. – retorquiu ela já a ficar sem paciência.
- ...
- Eu não preciso de falar com as pessoas para as conhecer, aliás, a maior parte delas eu nem as quero conhecer a sério. Imagino como serão. Tem piada imaginar e nunca saber a realidade. As pessoas fazem-me lembrar um rebanho de ovelhas, sem querer ofender as ovelhas.
- Tu não és normal! - exclamou ele.
- Eu sei que não sou normal, nem quero ser. Mas eu passo a explicar: a maioria das pessoas lembra-me um rebanho porque seguem todas alguma coisa e sempre da mesma maneira. O que faz com que sejam quase todas iguais, sem originalidade. E cada vez constato mais isso. Fui ver esse concerto que era num sítio com um certo requinte e eu era a única pessoa sozinha no meio de várias que tinham companhia ora dos amigos ora dos familiares e por vezes encontravam-se com alguns conhecidos. A partir desta situação poderei eventualmente concluir que a ida ao teatro serve como factor social. Para sair com a família, rever conhecidos e até mesmo ser apenas visto. O ser humano tem a mania de ser extremamente sociável.
Outra coisa que observei foi a forma com as pessoas estavam vestidas. Todas bem vestidas com a roupa de ir a missa e afins. Eu era das únicas pessoas menos bem vestidas. O que me leva a notar que as pessoas vestem-se bem não para elas próprias mas muitos vezes apenas para serem observadas pelos outros. A ida ao teatro é uma óptima oportunidade para estrear os sapatos comprados que nem se gosta muito mas que estão moda, ou para usar a camisola que a avó deu porque a avó vai lá estar. Resumindo: as pessoas vivem numa constante ilusão. O exterior é como uma máscara a proteger. São raras aquelas pessoas que se vestem ou que agem como são realmente. E quem o faz realmente por vezes é olhado com desdém. As pessoas são fascinantes de observar.
- Credo… Pensas em tanta coisa! disse ele com admiração.
- E posso dar mais exemplos. Vou dar outro que acho bastante engraçado. Como sabes durante as férias ajudei a minha mãe no café. Isso fez com que assistisse a alguns hábitos das pessoas. Dado que é um café o mais usual é as pessoas irem beber café. Mas foi raríssimo alguém ir beber café. O que bebiam era açúcar com café. O que me leva a pensar que elas apenas bebem isso porque parece bem beber, faz as pessoas parecerem importantes e notáveis. Ou seja não apreciam o verdadeiro sabor do café. Bebem porque dá boa impressão. E não digas que é porque dá energia, isso é praticamente psicológico. O meu avô bebe café e a seguir dorme! Elas bebem porque parece bem. O que é estúpido. Lá está novamente o rebanho. Uma ideia que se fomentou e a maior parte para não ficar fora do rebanho cumpre. Uma pessoa quando diz que gosta de café bebe-o sem açúcar. Eu gosto de café e bebo sem açúcar. Isso sim é o verdadeiro café. Ainda hoje comprei um café daqueles americanos que vêm naqueles copos que dá para ir a beber na rua o que é algo altamente e o senhor ia-me dar dois pacotes de açúcar e eu disse que não era necessário e ele disse que eu era mesmo apreciadora de café! Através deste comentário posso eventualmente chegar à conclusão que, para ele ter demonstrado admiração, as pessoas bebem com açúcar. O que é absurdo. - concluiu ela.
- Hmm… Nunca tinha pensado nisso. - respondeu ele.
- Claro que não, fazes parte do rebanho! E até eu por vezes faço. Há coisas inevitáveis.
            -Tu realmente não és normal... - voltou ele a afirmar.

Realizado por: Mariana Rosa
(Universidade do Minho, 3º ano, a57281)

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