segunda-feira, 18 de junho de 2012



Viagem Musical pelo Sistema Solar




Para esta recensão, decidi fazer uma ligação entre a música e como esta foi influenciada pelos Astros ao longo da história. Esta ligação surgiu logo nas primeiras civilizações aquando a evolução da música e da Astronomia e Astrologia. A primeira referência que encontramos é na China Antiga. O sistema musical destes apresentava-se sob uma forma muito complicada, por causa das numerosas relações com ideais morais e cosmogónicos. Assim, a China e a maior parte das tradições orientais, estabeleciam correspondências entre as notas musicais e determinados ideais básicos. Para os chineses, cada nota musical tinha uma realidade, vida e vibração, e, dessa forma, deviam ser tocadas com o sentimento apropriado. Os planetas, neste caso, estabelecem uma relação que, de acordo com as suas características, se adaptaram ao carácter de cada nota musical do sistema chinês.

Seguidamente é na Grécia Antiga que encontrámos uma importante conexão da música e dos astros, mais concretamente através da teoria de Pitágoras, a Harmonia das Esferas. Conta-se que certo dia passando em frente a uma oficina de ferreiro, Pitágoras percebeu que dois martelos, batendo numa bigorna, soavam a uma diferença de uma oitava um do outro. Outros dois martelos soavam a diferença de uma quarta um do outro, outros dois ainda com a diferença de uma quinta. Experimentando mais tarde num monocórdio, Pitágoras observou que se a corda esticada fosse dividida ao meio produziria uma oitava, ou seja, a razão de uma oitava é 1 para 2. Consequentemente, viu que se a corda fosse dividida um terço soava uma quinta harmónica e dividida um quarto soava uma quarta. Assim, Pitágoras relacionou os intervalos musicais com aspetos astrológicos. Estes consistem em relações angulares entre os planetas num mapa astral, medidas dentro do círculo elíptico.




Quando, por exemplo, dois planetas estão situados sobre o mesmo grau do zodíaco (cada uma das doze constelações ocupa na cinta cerca de trinta graus do arco), o seu aspeto é dito em “conjunção”. Pitágoras associou a “conjunção” ao uníssono musical. Paralelamente, quando dois astros estão a 180º um do outro, encontram-se em “oposição”. Na música, esta oposição equivale a uma oitava, isto é, a tal razão de 1 para 2. Os aspeto “trino” corresponde a uma distância de 120º dos astros e ajusta-se ao intervalo de quinta e assim em diante.



É evidente que as outras consonâncias foram assimiladas a outros aspetos astrológicos, sempre em razão de suas relações aritméticas. A assimilação, para não dizer confusão, entre os termos astrológicos e os termos musicais era tal que os astrólogos ou astrónomos utilizavam com frequência vocábulos como uníssono ou oitava para designar a conjunção ou a oposição dos astros, e os músicos, reciprocamente, falam com facilidade de trino ou de quadrado para designarem a quinta ou a quarta. Igualmente como não classificavam o uníssono como consonância, os gregos reconheciam então apenas 7 consonâncias, e associaram estas aos planetas conhecidos e aos deuses da Grécia.




Boécio, filósofo e teólogo romano, com estas associações ao mundo cósmico, na sua obra De institutione musica, cria três tipos de conceito para a música: musica humana, a música do corpo humano e da alma; musica instrumentalis, música que provém dos instrumentos musicais, incluindo a voz; e musica mundana, a harmonia do universo e a música dos corpos celestes.



A partir desse período, as únicas associações que encontrámos entre a música e os astros são de compositores inspirados pela sua existência. De entre todas, certamente a mais importante é a suite orquestral “ Os Planetas” de Gustav Holst.
Gustav Holst foi um compositor inglês que após vários problemas de saúde, abandonou a carreira de intérprete e segui composição na Royal College of Music, em Londres. Era uma figura bastante peculiar, de aspeto franzino e que se interessava por assuntos excêntricos e originais, como a literatura hindu e a astrologia. Holst foi introduzido a esta “arte de ler o futuro” por um amigo durante umas férias em Espanha. Completamente fascinado, logo lhe surgiu a ideia de compor uma obra baseada em conceitos da astrologia, mas juntou também a mitologia e as próprias características dos planetas. Apresentou-nos então a obra “Os Planetas”, em forma de suite com 7 andamentos, em que cada andamento representa um planeta do Sistema Solar, pela ordem da sua distância em relação à terra. O planeta Mercúrio (3º andamento) recebeu o nome do mensageiro dos deuses devido ao seu curto período de translação à volta do Sol, foi associado à rapidez com que o deus Mercúrio se deslocava. Holst representa Mercúrio, o Mensageiro Alado através de passagens de harpejos de uns instrumentos para outros, transmitindo uma sensação de voo (o deus Mercúrio possuía pequenas asas nos pés). Vénus, a deusa do amor foi agraciada com a atribuição do seu nome ao 2º planeta do Sistema Solar, que transmite sensibilidade e o amor na Astrologia. Holst coloca-a como a que traz a Paz (2º andamento), descrevendo a sua feminilidade através de pequenas melodias acompanhadas pela harpa. Apesar de esta não ser a deusa da Paz, Holst atribui-lhe este sentido em contraste com o primeiro andamento da obra, Marte, o que traz a Guerra. Marte corresponde ao 4º planeta do Sistema Solar. Os antigos chamavam às terras do deus Marte de “Terras Vermelhas”, de onde extraíam o ferro para as armas de guerra, daí a denominação do planeta dever-se à sua tão característica cor avermelhada, originada pelo óxido de ferro presente no seu solo. O carácter selvagem e rústico da música de Holst explica o simbolismo de Marte na busca pela coragem e audácia.
Já Júpiter transparece a palavra grandiosidade em todos os sentidos. Júpiter era o grande deus dos deuses, tendo o 5º planeta auferido o nome deste deus por ser o maior planeta do Sistema Solar. A alegria e a festividade, característica de pessoas regidas pelo planeta Júpiter, são as representações que Holst presenteia ao grande planeta, que é considerado o “planeta benéfico” da Astrologia.

Saturno pode-se considerar o oposto de Júpiter. O “planeta maléfico” recebeu o nome do pai do deus Júpiter, de forma a continuar a sequência genealógica, pois Marte era filho de Júpiter, Júpiter era filho de Saturno, e este filho de Úrano. Conta a lenda que o deus Saturno foi banido do reino dos céus pelo próprio filho. Saturno, como planeta astrológico, ficou assim associado ao frio e ao velho. Holst fundamentou o andamento de Saturno, o que traz a velhice pelo som dos sinos da Catedral de Durham, que eram tocados pelos velhos sineiros vestidos de negro. A música estática transmite um ambiente pesado e arrastado. A música majestosa e dissonante de Úrano, o mágico transmite a liberdade e o imprevisível. Só aquando à sua descoberta em 1781, é que Úrano foi implementado no mundo da Astrologia, por isso está ligado às novas tecnologias e ao conhecimento superior. Logo, a sua associação com o deus Úrano, que foi o primeiro rei do Universo, e que personificava o céu e o conhecimento.
A cor azul está na origem do nome do planeta Neptuno. Rogando a memória do deus do Mar, sempre poderoso com o seu tridente, Holst invoca Neptuno, o místico com um som celestial e distante. Na Astrologia, Neptuno significa a espiritualidade e a crença em algo superior a nós. O final desta obra, distante e etéreo, mostra perfeitamente a força de vontade que Holst empregou na sua música.
A composição da obra, entre 1914 e 1916, decorreu durante a 1ª Guerra Mundial. A sua estreia teve lugar a 29 de Setembro de 1918. O seu sucesso foi imprevisível e até mesmo surpreendente, tornando-se numa das obras do reportório britânico do século XX mais executadas.

Colin Matthews, um grande estudioso da música de Holst resolveu completar, em 2000, a sua famosa suite, ao compor um andamento inspirado em Plutão. Holst já tinha completado a sua suite aquando a descoberta de plutão em 1930. Holst, recusando-se a compor um novo andamento, referiu que já não tinha mais nada a expressar e a suite estava completa. Coincidência ou não, a verdade é que com a recente exclusão de Plutão do patamar dos planetas principais, a suite de Holst está, por agora, completa. Mesmo assim, a obra de Colin Matthews não foi retirada do meio musical. Como meio para enriquecer esta ideia de ligação entre os astros e a música, Simon Rattle em associação com a Orquestra Filarmónica de Berlim, criou o projeto Ad Astra, um programa de concerto constituído por várias obras especialmente concebidas como “asteroides” complementares à suite de Holst”.

Asteroid 4179 – Toutatis da compositora Kaija Saariaho foi inspirado pelo asteroide cuja órbita é a mais próxima da terra. Ceres de Mark – Anthony Turnage retrata o embate de um asteroide sobre a terra. Esta obra caracteriza se pela sua brutalidade e sentido de destruição. Towards Osiris de Matthias Pintscher faz referência ao mito do deus egípcio, que posteriormente foi o nome dado a um asteroide. Por fim, temos a obra Komarov’s Fall de Brett Dean. Com uma orquestração muito inventiva, Dean encenou os últimos momentos de vida do cosmonauta Vladimir Komarov, o primeiro homem a morrer no espaço, sendo 1967 o ano da sua morte.





Trabalho realizado por:

António Augusto Peixoto Lima

Nº 66924

1º Ano – Curso de Música

Universidade do Minho

1 comentário:

  1. Fantástico trabalho, demonstra como a música está ligada a várias linhas dos saberes antigos, parabéns!!!

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